quinta-feira, 11 de outubro de 2007
Para Galeano
Agora que já olhas com teus olhos, percebe...
Essa rua é como a extensão de toda a terra,
Rua de dores, rua de humores, de agonia,
rua que concebe abatimentos e amarguras.
Onde sopra o vento de pedra, que refresca,
Que dá frio, que sara e que fere.
Um por cento dos que moram nessa rua
Tem a grana pra mandar o homem à lua
E seus filhos crescem se entupindo de açúcar,
se enfastiando de gordura, casa com vista pro mar.
Enquanto homens-mulas extraem todo o ouro,
na labuta, alimentam-se do sal de seus suores.
Semeiam filhos no mundo, em arremedo de amores.
Em montanhas feitas de prata deixam seus couros,
e uma vez por mês, levam suas barrigas vazias pra passear,
provar licores, rir, sonhar
com pressa, com urgência,
dançando até a noite acabar!
Nessa rua moram almas que jamais encontrarão
Suas almas irmãs, e pela noite, sozinhas vagarão
conversando com estrelas e postes, luzes de mercúrio,
de néon, que não espantam a escuridão.
Nessa rua dançam pares que se espalham
Como cacos de vidro tentando achar
A velha fórmula, a velha forma, do vaso que quebrou.
Quando enxergar a entrada dessa rua, repara
No baile de fantasmas e vampiros
Repara no sorriso dos aflitos, que se julgam
Incapazes de acertar o compasso dessa dança.
Essa rua é feita de crianças,
E por isso de esperanças.
O destino virá com sua lança
Ensinar o canto de libertação dos espíritos!
Que um irmão reconheça noutro irmão um seu amigo.
Que a diferença seja exaltada por sua beleza
e estranheza e jamais seja motivo de rancor!
Dançam meus olhos e ouvidos quando sei
Que o mundo-rua gira de encontro ao criador.
Dançam meus pés e coração,
Quando a nave-mãe realiza seu bailado sideral.
E sei que todo o bem e todo o mal
Moram em mim porque sou gente, sou fera,
Sou anjo vingador, sou feito de esperas,
Temperado no calor de mil vulcões,
de um sol abrasador,
Resfriado em geleiras seculares, caçado e caçador
na terra, no mar, nos ares!
Sou semente e raiz,
Trigo e tânis e cresço
Com meu tronco hora forte, hora roto,
Bem no meio dessa rua,
Enquanto durar o pão
Enquanto a lua cravar seu brilho no chão!
Enquanto a gente com alma guerreira
Seguir mirando as estrelas!
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