terça-feira, 8 de abril de 2008

Sem Palavras


Semana passada postei criticando a postura do Grupo RBS em relação a sua tentativa de criminalizar os pedintes de rua. Na sexta feira seguinte saiu esse artigo que coloco abaixo, na mesma Zero Hora. Achei-o muito bem escrito e a sacada é daquelas que me fazem perguntar, POR QUE não pensei nisso antes??

Os sem-palavra
por Moysés da Fontoura Pinto Neto*

Na quarta-feira, Zero Hora publicou reportagem em que trata do "constrangimento" causado pelos moradores de rua. A reportagem foi seguida de debates sobre o tema, partindo-se de uma série de perguntas sobre o que fazer em relação ao "problema".

O que chama atenção na reportagem é que nenhum morador de rua teve a palavra. Nenhum morador de rua foi tratado como sujeito. Os "técnicos" que falaram sobre o tema tiveram oportunidade de fazer a abordagem que entenderam adequada, "contra" ou "favorável" aos moradores, mas jamais foi dada, em instante algum, a palavra a algum morador de rua.

Isso sinaliza um aspecto: para nós, o morador de rua simplesmente não existe. É como se ele não existisse. Nós não lhe damos a palavra porque ele simplesmente não está ali como alguém, mas como um "problema", e portanto um objeto. O filósofo Emmanuel Levinas, judeu que foi prisioneiro dos campos de concentração e viu sua família dizimada pelo nazismo, propôs, como resposta à catástrofe, um modelo de ética que chamamos de "ética da alteridade". A essência dessa proposta consiste em sempre tratar o outro como alguém, na sua plena diferença, sem que objetivemos esse outro. Levinas viu a si mesmo na condição de representação (o "judeu") e percebeu que a violência nasce quando deixamos de considerar o outro alguém pelo qual somos responsáveis. Todos lutam para definir o papel dos moradores ("pedintes", "bandidos", "vagabundos", "vítimas"), mas ninguém concede a eles o direito de falarem por si mesmos.

Preocupantes são manifestações que trataram conjuntamente o problema dos moradores de rua e da criminalidade: além de preconceituosas e desinformadas (apesar de se reivindicarem "realistas"), instigam o medo, pois, "em estado de preconceito, não existe mais indivíduo, grupo, multidão e nem mesmo, em sentido estrito, massa: apenas existe o Medo", e o medo "é o pai acolhedor que perdoa todos os filhos de sua insensatez" (Timm de Souza). É, na realidade, o combustível do fascismo.

*Professor do Departamento de Ciências Penais da UFRGS, especialista e mestre em Ciências Criminais

Por sugestão da Renata, amiga que mantém o Blog Mosaicos da Vida

http://mosaicosdavida.blogspot.com/

aqui vai a letra de EGO CITY do grande Marcelo Yuka da banda O F.U.R.T.O.

Carros à prova de bala, com vidros à prova de gente
Cor fumê da indiferença
E vão lambendo os cartões de crédito
Comprando de quase tudo; do orgulho à cocaína
de dólares a meninas
Passando em frente à réplica da Estátua da Liberdade
que nos prende ao consumo siliconizado e farpado urgente
que diz: Bem-vindo a Ego City

Lutadores sem filosofia, crianças sem esquinas
Realidade da portaria, mas só se for pela porta dos fundos
De frente pro mar, de costas pro mundo
Perderam o governo, mas ainda seguram os trunfos
Quando cair, delete o meu nome dos seus computadores
Se você insistir, o meu descanso será seu pesadelo

Lembre-se do mistério de PC, dono do Avião Negro
Porque o terno e o uniforme ainda
são os disfarces mais usados pelo crime
Tráfico de influência, tráfico de vaidade, tráfico pra ocupar
melhor lugar na corte
Bem-vindo a Ego City

3 comentários:

alleite disse...

Zero Hora com imagem de assassinato bem na capa: Vila Cruzeiro, "mas poderia ser qualquer outro lugar do RS."
E já que nem em banco público a TVE funciona, a emissora e a FM cultura têm proposta de serem "fortalecidas" com diminuição do orçamento e número de funcionários, deixando de ser coordenadas pela Secretaria de Cultura do Estado.

Pati disse...

E simplesmente repugnate, ver meios de comunicacao inverterem valores e responsabilidades perante a sociedade e principalmente a seres humanos, que ja passam pelas mais terriveis humilhacoes e sofrimentos em uma luta diaria pela resistencia a exclusao.
Esses mesmos veiculos deveriam no minimo, seguir o bom exemplo de alguns movimentos sociais sediados em outros paises, e ate mesmo no Brasil,cito Revista Ocas e Boca de Rua, que oferecem alternativas dignas de trabalho e subsistencia aos moradores de rua.

Ate quando, nessa sociedade avessa, seres humanos vao limpar para-brisas de carros, na tentativa de se tornarem visiveis?

Moysés Neto disse...

Legal que gostaste do meu artigo.

Bom saber que não estamos sozinhos nessa luta.

Abraço
Moysés